A COSMOPOLÍTICA DOS ANIMAIS

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A mudança necessária é de tal forma profunda que se diz que ela é impossível. De tal forma profunda que se diz que ela é inimaginável. Mas o impossível está por vir. E o inimaginável nos é devido. O que era mais impossível e mais inimaginável, a escravidão ou o fim da escravidão? O tempo do animalismo é aquele do impossível e do inimaginável. Ele é o nosso tempo: o único que nos resta.

                                                                                                                        Paul B. Preciado

 

Ao longo deste livro, procurei, por entre situações multiespecíficas, delinear alguns semblantes de políticas animais ou com os animais. Talvez a primeira conclusão, a mais óbvia e que, no entanto, permaneceu por tantas vezes oculta, é que essas políticas existem, em ato e em potência. Ninguém contestaria a afirmação de que não existe política para apenas um; mesmo assim, em grande parte dos discursos políticos, filosóficos ou não, encontra-se a pretensão de que ela diz respeito a uma só espécie, o Homo sapiens, ou a um só povo, o daqueles que se chamaram propriamente de Homens. Para fazer política, segundo eles, é preciso possuir um dom singular e
exclusivo – encarnado com excelência pelas diferentes acepções de lógos e suas variações históricas – que permitiria apenas aos homens conhecer a Justiça, o Bem, tomar decisões informadas ou agir de acordo com uma finalidade comum. Somente pela propriedade desse diferencial, essencial ou adquirido, mundos poderiam ser construídos, comunidades de fato erigidas, relações políticas travadas. Le Guin, em
um ensaio sobre animais na literatura infantil que figura na epígrafe deste trabalho, lançava uma provocação:
Deus na Bíblia diz: “Que se faça a luz”. Somente nós, humanos, de acordo com aquela bíblia, somos à imagem de Deus. Então apenas Deus e Nós podemos dizer: “Que se faça a luz”. Mas eu lhes pergunto, o que um galo às quatro da manhã está dizendo?