Arquipélago Gulag - Acervo 25
Aleksandr Soljenítsyn nasceu em dezembro de 1918 na cidade de Kislovodsk, entre os mares Negro e Cáspio, perto da fronteira da Geórgia, um ano depois da eclosão da Revolução Russa. Veio ao mundo enquanto a Primeira Guerra Mundial se encerrava e passou a primeira infância no fogo cruzado da Guerra Civil russa, que só terminaria com a vitória do Exército Vermelho em 1921. No dia 20 de dezembro de 1922, quando Lênin assinou a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, fazia pouco mais de uma semana que Aleksandr completara 4 anos de idade.
Soljenítsyn tinha origem social mujique (camponesa), não operária. Sua mãe, Taisiya, tinha ascendência ucraniana – uma das nacionalidades que menos aceitou o jugo soviético, considerado uma roupagem nova do velho imperialismo russo. O pai, Isaakiy, morto em um acidente de caça poucos meses antes do nascimento de Aleksandr, era um agricultor rico e oficial do extinto Exército czarista.
Soljenítsyn foi um estudioso do marxismo e admirador de Lênin até a idade adulta. Confessou que “durante muito tempo não quis conhecer nada além do marxismo”. Entretanto, nunca se entusiasmou com Stálin. Aliás, acompanhou de perto o caso do pai de um colega de escola, condenado de maneira fraudulenta durante os expurgos da década de 1930, desenvolvendo, assim, uma profunda e inextirpável suspeita para com o “czar vermelho”.
Apesar de formado em física e matemática pela Universidade de Rostov em 1941, nunca escondeu que sua paixão verdadeira era a literatura. Conciliou a graduação com alguns cursos à distância no Instituto de História, Filosofia e Literatura de Moscou. “De maneira incompreensível, desde os 8 ou 9 anos de idade, por algum motivo achava que devia ser escritor”, declarou. Desde muito jovem, sonhava em escrever uma epopeia sobre a Revolução, ao estilo do Guerra e paz, de Tolstói.
Seu rompimento definitivo com o governo socialista viria só na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Soljenítsyn foi convocado para o Exército Vermelho em 1941. Lutou a “guerra de inverno” na Frente Noroeste, que defendeu os arredores de Leningrado (São Petersburgo), e serviu na fronteira de Belarus. Um ano depois, tornou-se tenente. Em 1945, somava quase quatro anos sem sair do campo de batalha.
Sua vida mudou radicalmente em fevereiro daquele ano. Já desiludido com o rumo político da URSS, escreveu uma carta a um amigo criticando o governo de Stálin – chamado por ele, ironicamente, de “Chefão”. A correspondência foi interceptada. De acordo com o código penal soviético de 1924, Soljenítsyn era uma “pessoa socialmente perigosa”. Foi preso e condenado a oito anos de reclusão e trabalho forçado.
Parte da pena foi cumprida na charachka, setor onde eram alocados criminosos com formação científica, como Soljenítsyn. A amizade com os colegas intelectuais serviria de base, anos depois, para o romance O primeiro círculo (1968). Porém, quase dois terços da pena foram pagos de fato em um campo do Gulag, onde foi pedreiro e trabalhou com usinagem. Soljenítsyn quase morreu de fome e exaustão. Diante da violência, das privações e da corrupção que presenciou, perdeu qualquer resquício de admiração pelo marxismo-leninismo e retomou a fé cristã. Também foi no Gulag que enfrentou o primeiro câncer. Tirou daquela experiência a matéria prima do romance O pavilhão dos cancerosos (1968). Sua pena terminou em 1953, quando passou a viver no Cazaquistão como exilado.
Beneficiado pela abertura política e pela “desestalinização” promovida por Khrushchev, Soljenítsyn regressou do exílio em 1956. Passou a viver na província de Riazan, a cerca de 200 quilômetros de Moscou. Em maio de 1959, começou a colocar no papel ideias guardadas desde o tempo de prisioneiro e, em 1962, finalmente publicou Um dia na vida de Ivan Deníssovitch, um relato árido do cotidiano no Gulag.
O romance provocou uma comoção nacional e Soljenítsyn se tornou ícone instantâneo da nova literatura pós-stalinista. Foi o escrito decisivo para que o autor recebesse, em 1970, o Prêmio Nobel de Literatura. Sem Ivan Deníssovitch, não haveria o Arquipélago: depois da publicação dessa primeira história sobre o Gulag, dezenas de outros ex-prisioneiros passaram a procurar o autor, pessoalmente ou por correspondência. Queriam compartilhar seus relatos pessoais, que acabaram servindo de fonte documental para Soljenítsyn conceber, ao longo da década de 1960, sua trilogia sobre os campos de prisioneiros. De “pessoa socialmente perigosa”, passou a ser voz coletiva dos oprimidos russos.
Depois da publicação de Arquipélago Gulag, Soljenítsyn foi deportado e perdeu a cidadania russa. Em fevereiro de 1974, desembarcou em Frankfurt, na Alemanha Ocidental, e rumou para a minúscula vila de Langenbroich, no oeste do país, perto da fronteira com a Bélgica. Ele, a esposa, Natália, e três filhos foram hospedados alguns dias por Heinrich Böll, também vencedor do Nobel de Literatura. O vilarejo de pedra, cercado pela floresta e por rebanhos de ovelha, foi abarrotado por cerca de 250 jornalistas que cobriam a chegada do escritor no lado de cá da cortina de ferro.
Soljenítsyn passou um tempo na casa de Böll e foi morar em Zurique, na Suíça. Dois anos depois, em 1976, mudou-se novamente. A convite da Universidade de Stanford, mudou-se com a família para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Cavendish, Vermont. No país, seu discurso mais célebre foi em Harvard em 1978, quando defendeu a monarquia czarista e as tradições russas, lamentou os hábitos dos jovens norte-americanos e condenou a “decadência moral” do Ocidente. Com essas opiniões, Soljenítsyn afastou os que esperavam dele uma defesa da democracia liberal. Ele concluiu e publicou nos Estados Unidos a tetralogia A roda vermelha, uma história da Revolução Russa.
Soljenítsyn foi reabilitado às vésperas do fim da União Soviética (1991) e mudou-se para Moscou em 1994. De volta à terra natal em 1994, criticou pesadamente o governo “ocidentalizante” de Boris Iéltsin. Nos anos 2000, causou ainda mais polêmica com suas posições pró-Vladimir Putin. Nunca foi um apoiador “oficial” do presidente (que, reciprocamente, nunca renegou a memória da União Soviética), mas as posições eurasianas e pan-eslavistas de Putin combinavam mais com a visão de mundo de Soljenítsyn. Entre os livros publicados no fim da vida se encontra Reconstruindo a Rússia, uma coleção de propostas políticas. O escritor faleceu em sua casa, perto de Moscou, em 2008.
