Clarice Lispector com a ponta dos dedos - 1ª ED

A obra de Clarice não cessa de surpreender. Não só pelo amor ao risco e à experimentação, mas também por sua estranha fortuna pública: à autora difícil de uma obra feita para ser lida por poucos, seguiu-se a celebridade aos olhos da crítica feminista, antes da admissão à lista de leituras obrigatórias das escolas brasileiras. Em todas essas versões de Clarice mora o risco do lugar-comum. Um deles diz respeito à distinção entre os livros escritos "com as entranhas" e os livros menores do fim da vida, que só não causam constrangimento maior por terem sido relegados pela própria autora. É contra essa distinção fácil demais que Vilma Arêas tenta demonstrar a fundamental unidade da obra de Lispector. O método não podia ser mais engenhoso: partindo justamente das obras secundárias, a crítica revela como são perpassadas pela mesma angústia pessoal e estética que conferia tensão dramática aos livros já consagrados. Com uma novidade nada desprezível: a Clarice desse período aventura-se mais a fundo numa dicção irônica, de paródia e melodrama, que lhe renderia A hora da estrela, um retrato doloroso e fraturado da vida social brasileira.