VAI, BRASIL

"Depois de tantos quilómetros de barco como de Lisboa a Moscovo, vejo como no mapa da Amazónia isso é coisa de nada. Em momentos insanos até podemos achar que uma ideia nossa sobre o Brasil vai caber no Brasil, mas o Brasil nunca vai caber nela. (...),Os leitores zangados por eu nunca achar coisas boas no Brasil alternam com os leitores zangados por eu só achar coisas boas no Brasil. Há ainda os leitores zangados por eu ceder aos interesses do Acordo Ortográfico e os leitores zangados por eu não ceder aos interesses do Acordo Ortográfico. Em tudo o que escrevemos é possível ler uma coisa e o seu contrário, porque o último a escrever é sempre o leitor, mas talvez o Brasil visto de Portugal seja o terreno mais propício a essa esquizofrenia em que simultaneamente somos subservientes e imperialistas. Eu também insisto: estou sempre a mudar de ideias. Aliás, é por isso que cá estou. O Rio é um milagre, virando a esquina é um escândalo, e se pensarmos na Amazónia? O Brasil não deixa de ser um milagre por ser um escândalo, tal como eu não deixo de ser portuguesa por escrever ônibus quando o contexto é brasileiro, porque a língua é para fazer esse ônibus aparecer. (...)" ("Tudo e o seu Contrário", um dos textos de "Vai, Brasil)